segunda-feira, abril 14

O Jipe do prof...

Nem só de telemóveis e pancadaria vive a geração escolar...

"Alunos ajudam professor no arranjo de jipe que emprestou à escola
11-Apr-2008
Em tempos de tumulto na educação, uma solidariedade curiosa acontece entre professores e alunos de Reguengos de Monsaraz. Um director de turma disponibilizou o seu jipe para uma actividade de exterior, e um acidente aconteceu. A história foi contada à DianaFM por alguns dos alunos.
«No dia 1, a Escola Secundária Conde de Monsaraz organizou uma MegaAventura na qual realizámos várias actividades. O director de turma, o professor Bicho, levou o jipe, para "amanhar" lá uns sítios que "não dava para amanhar" de outra maneira. Ele emprestou o carro a outro professor e, entretanto, quando ia buscar uma equipa que se tinha perdido, o jipe "estampou-se". Vamos fazer um jantar, em que vamos ser nós a servir à mesa, e vamos fazer cocktails", disseram alunos envolvidos. «Mostra que somos todos solidários e que, de certa maneira, estamos prontos para ajudar qualquer um. Podemos não ser muito bons em comportamento, mas funcionamos muito bem em grupo. A nossa turma está mesmo empenhada neste jantar, temos mesmo de ajudar, porque somos os "meninos dele", digamos assim, ele é o nosso director de turma», acrescentaram ainda.
Os alunos, uma turma do 10º ano, estão a organizar um jantar, e há também uma conta de solidariedade.O dono do carro, o professor José Luís Bicho, disse à DianaFm «Vai ter de ser reconhecido que é verdade que uma escola sem alunos não é escola, mas também que, sem o empenho dos professores, não vai muito longe. Nesta escola, e em outras, no país e até fora dele, as coisas organizam-se, realizam-se e têm lugar, e o quadro institucional não pode resolver, imperativamente, todos os aspectos. Ter trazido o carro foi, a meu nível, o contributo para que as coisas corressem bem. Foi a terceira vez, das duas primeiras vezes correu tudo bem, o carro desempenhou bem a função para qual lá esteve. Desta vez houve este percalço»
«Por parte dos colegas, mas também por parte dos alunos, houve uma reacção imediata que me deixou logo sensibilizado. Os alunos disseram, desde logo, "Professor, fique descansado, faremos tudo ao nosso alcance para dar o nosso contributo para que a viatura seja arranjada", porque a soma em causa é astronómica para o bolso individual de cada um de nós», contou ainda o professor, José Luís Bicho, tecendo ainda algumas considerações sobre as aprendizagens mútuas que se constroem numa situação destas. «Debatemo-nos todos os dias com a nossa rotina, com o nosso quotidiano, os alunos não estudam, não aprendem, a culpa é dos alunos, ou ao inverso é do professor, que não sabe ensinar, etc, enfim, o trivial da profissão. Também tenho de reconhecer que há empenho e motivação de nós todos, inclusivamente, dos alunos. Há é, por vezes, equívocos, incomunicações, os professores, no âmbito das suas capacidades e do seu conteúdo funcional, não conseguirem descobrir a "pólvora sem fumo" para que as turmas e todos e cada um dos alunos da turma "carburem", em termos de aproveitamento, a outro nível. E, por outro lado, os alunos têm os seus problemas, também, e isso é dificultador da nossa tarefa, e há chatices, encrencas, engalfinhanços, e discutimos, e tal, etc. Ao inverso, numa situação concreta e específica como esta, nós vemos os alunos a carburarem a uma velocidade em termos de capacidade de concentração, de auto-organização, de auto-disciplina, de capacidade de tomar iniciativa, de capacidade reflexiva, também», foram considerações partilhadas pelo director de turma.
O jantar de apoio está planeado para finais de Maio. Entretanto, os alunos estão a recolher patrocínios."
(in DianaFM)

Não era tão bom que existisse agora uma onda de notícias a falar de que não é só nesta escola que se as coisas se passam desta outra maneira mais solidária?... Porque não acredito que seja só nesta... Mas mais uma vez, o rigor jornalístico esvai-se porque as coisas boas não têm impacto e em vez da onda de alunos solidários, vamos continuar com a onda da porrada nas escolas (que sucedeu à onda dos acidentes nas estradas - que devem ter deixado de haver - e à onda das meninas desaparecidas - que devem ter deixado de desaparecer...)

terça-feira, abril 1

Mais do que a multiculturalidade, uma não cultura universal...

Outro dia, ainda antes da Páscoa, os acontecimentos que têm vindo a ocorrer no Nepal transportaram-me para uma ordem de pensamento sobre as liberdades individuais, sobre a forma como entendemos e respeitamos os indivíduos, sobre o conceito de ser pessoa, enfim, vaguear um pouco por esta problemática que é relacionarmo-nos uns com os outros.
Dei-me comigo a ler um artigo de Firmino Leite que encontrei e onde ele explora muito bem como por vezes nos esquecemos que o existe, sim, uma multiculturalidade na relação que estabelecemos com as pessoas mas que essa relação nunca consegue ser absolutamente independente de todo o contexto que a envolve. Essa dependência não se dá apenas com a relação que estabelecemos com as pessoas mas com tudo o que essa cultura tem ligada a ela... os valores, as tradições, os preconceitos, os objectivos, as motivações. Torna-se, por isso, impossível transpôr para as nossas realidades uma componente de uma cultura, sem que esta, se mute por si só. Porque uma prática é boa ou funciona num determinado contexto cultura, não é válido que tal se mantenha quando a descontextualizamos para uma realidade nossa e diferente. Mesmo que fosse possível transferir toda uma raiz cultural para uma outra, não seria possível manter intacta toda a sua matriz inicial. Veja-se por exemplo, o caso das comunidades que procuram implementar noutro espaço a sua própria identidade cultural. Não deixa de ser extremamente influenciada, por vezes mesmo, descaracterizada por toda a envolvência em que se insere. É um pouco como se fosse uma transição de estados termodinâmicos que exigiria um tempo infinito para que se instalassem sem que as perdas fossem nulas. Tal não é de todo possível na prática e é fácil reconhecer na sociedade como é difícil e morosa a instalação de uma comunidade estrangeira numa comunidade que lhe é estranha.
Assim, mais do que a multiculturalidade de que tantos falam, é importante abordar esta forma de PASSAGEM numa perspectiva não universal. Não podemos de todo considerar que se podem importar e exportar valores, atitudes, estilos,... pensando numa perspectiva universalista sem pensar que estes se alteram nesta 'passagem' inter-cultural.Certamente que tem sido esta transmutação inter e intra-cultural, que tem permitido à civilização evoluir. Mas está errado quando entendemos que podemos caminhar para receitas universais que se podem trocar em função dos objectivos pessoais. Há muito mais, talvez mais do que possamos mesmo entender, para além de um manual de sobrevivência universal, em que direitos do homem, terapias individuais, cultos religiosos, hierarquia de consumo, educação integral têm diferentes interpretações pois também é diferente o entendimento que cada um faz do homem, da terapia, do culto, do consumo ou da integralidade... do ser pessoa à luz do seu contexto cultural. É uma falsa liberdade, uma falsa humanização, esta visão de que estamos a impingir de uma universalidade que é resultado de uma cultura que não é, de todo, universal.
A PASSAGEM, é esta humildade de nos entregarmos ao sentir que cada outro tem da vida para partilhar o melhor que cada um tem e, assim, se construirem culturas mais sãs... Não uma multiculturalidade diluída na diferença, mas uma culturalidade que na semelhança de SER, escolhe na diversidade de SENTIR, a sua própria riqueza de VIVer.

"A humanidade elegeu neste início de século a "qualidade de vida" como necessidade básica para a existência. Todas as ações humanas passaram a ser motivadas pela busca da "qualidade de vida". Num mundo onde o stress, a correria e o sofrimento imperam, o ser humano pretende colocar a paz, a felicidade e a harmonia como objectivos de vida e, assim, alcançar o "bem-estar".
Neste texto, procuraremos auxiliar os seres humanos nessa busca. Para isso enfatizaremos a cultura ocidental, tendo em vista que, a partir do final da segunda guerra mundial a globalização impôs essa cultura como básica para o planeta, afectando também a povos orientais.
Há uma focalização na humanidade que compromete o resultado do conhecimento das culturas: analisá-las a partir de factos históricos. A compreensão de factos não pode ser baseada nas acções executadas durante a sua realização, pois essas acções são frutos do "pensamentos". Um acto é apenas a materialização de um pensamento. Portanto, para se compreender um facto correctamente, é necessário conhecer a "cultura" ou "verdades" do povo que o gera.
Recentemente a humanidade vivenciou uma situação que espelha este conhecimento. Para a existência da guerra do Afeganistão, entre outros motivos, foi criada a ideia da libertação das mulheres daquele país das rígidas regras "machistas" da cultura islâmica. Houve a guerra, aconteceu a "libertação" e, no entanto, milhares de mulheres daquele país continuam a utilizar a vestimenta que serviu como um dos pretextos para a guerra.
Isso porque, de acordo com a "cultura" das mulheres do Afeganistão o uso dessas vestimentas é "certo" e "bom": traz felicidade a elas. A ideia da "liberdade", que acabou não sendo alcançada apesar da vitória na guerra, surgiu daqueles que não usam esse tipo de roupa. Eles quiseram impôr as suas vontades ("errado" e "mal") a partir da sua "cultura" e não levaram em consideração o desejo das "libertadas". É como a velha história do escoteiro que se orgulha de ter praticado uma boa ação: auxiliou uma senhora a atravessar a rua. Acontece que ela não queria atravessá-la.
A partir desta análise, podemos compreender que o "mal estar" (infelicidade) dos tempos modernos não existe por causa dos actos da vida. Não são as ações que o ser humano pratica responsáveis pelo seu stress, mas sim a sua "cultura". De nada adianta o ser ocidental mudar os actos que pratica para que seja feliz sem que haja uma alteração cultural, uma conscientização de que o "mal estar" surge dos valores com os quais se vive.
No nosso exemplo da guerra do Afeganistão, o sofrimento das ocidentais era a felicidade das afegãs. Para que os ocidentais vivessem felizes com a existência daquelas roupas, era necessário que compreendessem a cultura afegã. Como isso não era uma realidade, consagraram um sofrimento que aquelas mulheres não sentiam.
Para alcançar o bem-estar, muitos ocidentais buscam as alternativas utilizadas por aqueles que possuem a "cultura oriental". Yoga, relaxamento, meditação, acupunctura, Reiki, Feng-Shui e tantas outras técnicas de se alcançar à paz e a felicidade como estado de espírito está na "moda". Poucos, entretanto, conseguem o sucesso esperado com esses tratamentos.
Isso ocorre porque todas essas técnicas não são a causa da paz e da felicidade dos orientais, mas apenas caminhos para auxiliá-los na prática de sua "cultura". O que leva alguns orientais a atingirem um estado de espírito que reflicta o bem-estar almejado pelos ocidentais não são as técnicas, mas a cultura oriental. Portanto, além da utilização de "métodos orientais" é necessário que os ocidentais também vivenciem a sua existência com os valores da "cultura oriental" para promoverem o seu bem-estar.
Uma "cultura" também não pode ser representada por objetos materiais, pois estas coisas são apenas instrumentos da "cultura". Para alcançar o bem-estar não basta também a utilização de talismãs ou símbolos orientais, nem se vestirem ou habitarem em casas semelhante às dos orientais.
A felicidade não será alcançada apenas pelo modo de vestir do ser ocidental nem pela utilização de "mandalas". Para se alcançar o "zen" é preciso que se ataque o mal pela raiz. Enquanto a raiz do mal-estar estiver a servir de nutrição para ser humano, o bem-estar não será alcançado.
[...] As técnicas e símbolos orientais servem apenas de instrumento para auxiliar o ser humano a colocar em prática os valores da real cultura oriental. As técnicas orientais de bem viver não levam o ser humano a ganhar, atingindo seus objetivos materiais, mas ensina-o a conviver feliz com a perda.
Ajuda na compreensão de que a felicidade de ter participado da disputa (estar vivo) já é motivo para ser feliz. Não cria elogios, mas ensina o ser humano a utilizar a crítica para o aperfeiçoamento; mostra que a pessoa que passa por uma infâmia deve manter-se feliz, pois lhe foi dada uma nova chance de reabilitação.
O ser que vive com os valores orientais, como a Fênix, renasce das situações contrárias (perdas) aos seus desejos, porque não sofre com elas: utiliza-as como um trampolim para a felicidade. Todas as técnicas orientais são instrumentos da real cultura oriental nesse sentido.Já aquele que vive sob a tutela da cultura ocidental preocupa-se em ganhar para ser feliz. Daí nasce o stress. Quando não vence, aprofunda-se na depressão porque não entende a linguagem universal (acontecimentos).
O universo não age para derrotar os seres, mas para ensiná-los a vencer realmente. Quando os acontecimentos não permitem que apenas uma pessoa se satisfaça constantemente ensina-os a viver feliz com o que possuem: essa é a grande vitória da vida e traz o bem-estar constante, qualidade de vida procurada pelo ser.(...)Podemos, então afirmar que para se estar "bem zen", alcançando o bem-estar permanente, é necessário não só praticar-se as técnicas orientais, mas alterar os objectivos da existência.
Firmino José Leite
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